Escrito por: Álisson Inácio Batista e Anita de Souza Silva
Revisado por: Rita de Cassia Maria Garcia
Em um lugar que centra suas ações no cuidado longitudinal dos usuários e é responsável pelo atendimento de cerca de 80% a 90% dos problemas de saúde da população, requer a presença indispensável do Médico Veterinário na sua equipe de trabalho. Esse lugar é a Atenção Primária em Saúde, porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil.
Sendo um sanitarista por excelência e principal entusiasta, disseminador e executor de ações de Saúde Única no Brasil; o médico veterinário compõe o rol de profissões de saúde desde 1998, por meio da Resolução CNS nº 287 de 08/10/1998, e se insere no serviço de saúde justamente por suas habilidades de proteger populações contra enfermidades coletivas.
Quando falamos de Atenção Primária em Saúde (APS) devemos considerar a Portaria de Consolidação n°02 de 2017 que traz a nova Política Nacional da Atenção Básica (PNAB) em seu anexo XX, definindo-a como um conjunto de ações de saúde individuais, familiares e coletivas que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde, realizada com equipe multiprofissional, e dirigida à população em território definido, sobre as quais as equipes assumem responsabilidade sanitária. A PNAB também reforça os seguintes pontos:
- A Atenção Básica e Atenção Primária são sinônimos;
- A APS é o primeiro nível do sistema, porta de entrada, centro de comunicação e ordenadora da Rede de Atenção à Saúde (RAS);
- O desenvolvimento da AB deve ter base territorial e população definida, e suas ações são longitudinais, acompanhando toda a vida do indivíduo;
Diante da magnitude da APS, uma equipe multiprofissional é de fundamental importância para conseguir atingir o máximo de resolutividade; para exemplificar a importância da inserção do médico veterinário nessas equipes multiprofissionais, podemos citar que 75% das doenças emergentes e reemergentes são de origem animal e que aproximadamente 50% das doenças e agravos de notificação compulsória da lista nacional de agravos de notificação compulsória constantes na Portaria MS 3.418 de 31/08/2022, apresentam relação com a Medicina Veterinária.
Esses dados reforçam a importância do olhar ampliado que o Médico Veterinário possui sobre o meio ambiente, animal, homem e suas relações e interações; fazendo com que esse profissional contribua diretamente para a saúde da população do território em que ele está inserido.
Pensando em direcionar as ações de planejamento e intervenção do Médico Veterinário na APS, a Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) listou algumas ações que podem ser desenvolvidas por esse profissional junto as equipes de saúde.
- Visitas domiciliares para diagnosticar riscos que envolvam animais e ambiente;
- Prevenção, controle e diagnóstico situacional de riscos de doenças transmissíveis por animais;
- Prevenção e controle de doenças transmissíveis pelos seres humanos aos animais;
- Educação em saúde, com foco na promoção, prevenção e controle de doenças de caráter antropozoonótico e demais riscos ambientais, incluindo desastres naturais e aqueles provocados pelo ser humano;
- Desenvolvimento de ações educativas e de mobilização da comunidade, relativas ao controle de doenças/agravos e ao uso de manejo inadequado do território, com vistas à relação saúde/ambiente;
- Estudos e pesquisas em saúde pública, que favoreçam a territorialidade e a qualificação da atenção;
- Cuidado com os resíduos sólidos;
- Ações de educação em saúde nas escolas, divulgação nos meios de comunicação e sensibilização das comunidades e da sociedade;
- Prevenção e controle de doenças transmissíveis por alimentos;
- Respostas às emergências de saúde pública e eventos de potencial risco sanitário nacional, de forma articulada com os setores responsáveis;
- Identificação e orientações sobre os riscos de contaminação por substâncias tóxicas como agrotóxicos e inseticidas;
- Ações clínicas compartilhadas para uma intervenção interdisciplinar, com troca de saberes, capacitação e responsabilidade mútuas, gerando experiências para os profissionais envolvidos, com ênfase no estudo e na discussão de casos e situações, espaços de reuniões, consultas e intervenções conjuntas, apoio por telefone, e-mail etc.;
- Intervenções específicas do profissional do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB) com os usuários e/ou famílias, por meio de discussão e negociação, incialmente com os profissionais da equipe de referência, de forma que o atendimento individualizado pelo Nasf-AB só seja realizado em situações em que a equipe de referência não tenha condições de resolubilidade;
- Ações compartilhadas nos territórios de sua responsabilidade, realizadas de forma articulada com as Equipes de Saúde da Família (eSF), como o desenvolvimento de projeto de saúde no território com foco nas questões de vulnerabilidade dos indivíduos a riscos envolvendo animais e demais riscos ambientais no território;
- Planejamento, apoio aos grupos, trabalhos educativos e inclusão social, enfrentamento da violência e ações com os equipamentos públicos (escolas, creches, igrejas, pastorais etc.) com o intuito de fortalecer as Redes de Atenção do SUS.
O atual cenário político brasileiro com o desmonte do NASF-AB, novo financiamento da atenção básica por meio da Portaria MS 2.979 de 12/11/2009 e consequentemente, enfraquecimento das ações de cunho preventivo no SUS, tem contribuído para que a atuação do Médico Veterinário nesse espaço seja fragilizada e invisibilizada, requerendo diariamente esforço desse profissional para mostrar sua importância e desenvolver atividades para além dos indicadores básicos exigidos para o financiamento da Atenção Primária em Saúde por parte do Ministério da Saúde.
O entendimento de quais ações podem ser desenvolvidas por esse profissional na Atenção Primária em Saúde e seu potencial contribuitivo para diminuir riscos e agravos da relação desarmoniosa entre homens, animais e meio ambiente em que estão inseridos, ajuda a não só fortalecer a profissão, mas também relembrar o papel fundamental das Equipes de Saúde da Família (eSF), que é a prevenção de doenças.
REFERÊNCIAS
- BORGES, J. Descomplicando: saúde pública e saúde coletiva/ Jakeline Borges, Carlos Cruz; Organização Natale Souza. – 1.ed.—Salvador, BA: Natale Oliveira e Souza, p.222-224, 2021.
- ALMEIDA, W.N.M.; EPIFÂNIO, I.S.; BRANDESPIM, D.F. O médico-veterinário na Atenção Primária à Saúde (APS). In: GARCIA, R.C.M.; CALDERÓN, N., BRANDESPIM, D.F. Medicina Veterinária do Coletivo: fundamentos e práticas. São Paulo: Integrativa Vet; p. 78-83, 2019.
- Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública, nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional.- PORTARIA GM/MS Nº 3.418, DE 31 DE AGOSTO DE 2022.
- Institui o Programa Previne Brasil, que estabelece novo modelo de financiamento de custeio da Atenção Primária à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, por meio da alteração da Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017.- PORTARIA Nº 2.979, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2019