Embaixadores: Anita de Souza Silva e Gustavo Canesso Bicalho
Revisor: Rosangela
Não existe um dado oficial sobre a epidemiologia do abandono. Esta informação seria importante para a gestão de saúde pública e do bem-estar animal, uma vez que podem estar envolvidos em transmissão de doenças, mordeduras, acidentes de trânsito, maus-tratos, conflitos, danos patrimoniais, além de sobrecarregar entidades e pessoas que se preocupam com sua situação (BECK, 1973; GARCIA, 2009).
Parte desse número de animais em situação de rua, certamente é oriunda do abandono, uma vez que milhões de animais de estimação são abandonados em todo o mundo todos os anos (FATJÓ et al., 2015). Portanto, além da estimativa da população em situação de rua também se faz necessário o levantamento de características sobre o perfil de quem abandona, do animal abandonado e dos locais onde ocorre. Responder estas questões e analisá-las sobre os aspectos éticos e morais, socioeconômicos e emocionais é o escopo da ciência da Epidemiologia do Abandono, que pode embasar cientificamente ações coordenadas e medidas de controle e prevenção do abandono, ações essas muitas vezes incluídas nos programas de manejo ético populacional (OLIVEIRA, 2019).
Alguns países, como a Espanha e os Estados Unidos da América (EUA), permitem que cidadãos entreguem seus animais a abrigos quando decidem que não os querem mais. Este tipo de serviço de acolhimento, permite que mais dados sejam levantados a respeito do abandono, uma vez que podem registrar informações do histórico do animal, de dados demográficos de quem abandona e dos motivos que levaram à entrega.
Na Espanha, segundo o estudo de Fatjó e colaboradores (2015) um terço da entrada de cães e gatos, nos abrigos espanhóis avaliados, eram de animais entregues voluntariamente por seus tutores. Esta porcentagem equivale a aproximadamente 33 mil cães e 10 mil gatos, no período de 2008 a 2013.
Segundo estudo estadunidense de Weiss e colaboradores (2015), sobre tutores que procuram uma solução para se desfazerem de seus animais, aproximadamente 36% eram mais propensos de serem entregues a abrigos e 1% de serem soltos na rua. Os principais motivos que levariam as pessoas a deixarem de tutorar seus cães e gatos eram em sua maioria relacionados ao animal (46%), como agressões, destruição de objetos e problemas de saúde; seguidos por problemas familiares (27%), como problemas de saúde na família e alergias; e por fim problemas habitacionais (18%), como problemas com o locador do imóvel e limitação quanto ao espaço físico. Para os tutores que consideraram abandonar seus animais em abrigos, houve maior associação com os motivos relacionados com o próprio animal.
Em relação aos países latino-americanos, Mota-Rojas et al. (2021) em sua revisão, afirma que o abandono de cães e gatos em ruas é muito comum nesta região e suas causas são atribuídas a falta de educação sobre guarda responsável, inadequação ou inexistência de regulamentos sobre a criação dos animais, como, por exemplo, obrigatoriedade de esterilização cirúrgica ao adquirir ou adotar; e a falta de serviços permanentes de esterilização.
Estudo de Bonela e colaboradores (2021) apontou que, no Brasil, a maioria das pessoas que cometem o abandono de animais tiveram 25 vezes mais chances de estarem na faixa etária entre 18 e 24 anos, sendo essa faixa 25 x mais prevalente em comparação com a categoria entre 40 e 59 anos e que, se tratando de crueldade contra animais no geral, tinham 3,57 vezes mais chances de serem do sexo masculino e 2,5 vezes mais chances de não terem formação universitária.
Com a pandemia da COVID-19, o Brasil enfrentou uma crise social, sanitária e econômica, que causou diversos impactos, como o aumento do abandono de animais. Muitos noticiários evidenciaram que o Brasil vivenciou com a pandemia da COVID19, a epidemia do abandono, além disso, as manchetes mostraram também a superlotação das ONGs protetoras de animais. Dentre os motivos que ocasionaram esse aumento, pode-se mencionar como principais, o desemprego e as dificuldades financeiras, as mudanças de cidade, estado, e o medo que os tutores tinham com a incerteza da relação da transmissão do vírus através dos cães e gatos. No estudo realizado por Scheffer (2020), sobre o direito animal em tempos de pandemia, o abandono de animais aumentou 60% em Goiânia, 50% em Curitiba, 40% em Belo Horizonte e 860% em Salvador.
Dessa forma, o abandono de animais é um problema global que deve ser percebido e enfrentado como um problema de saúde pública, pois pode causar danos à saúde humana, e também aos animais, provocando dor e sofrimento, uma vez que estes são seres sencientes. Assim, se faz extremamente necessário a realização de programas permanentes de educação que sensibilizem a comunidade sobre princípios de guarda responsável, para evitar casos de abandono. Além de políticas públicas permanentes que implementem ações sustentáveis e efetivas de controle reprodutivo, registro e identificação, controle do comércio, além de apropriada fiscalização e punição para quem abandona um animal.
REFERÊNCIAS
BECK A. The ecology of stray dogs. West Lafayette: Purdue University Press; 1973.
GOMES, L. B., PAIVA, M. T., DE OLIVEIRA LISBOA, L., DE OLIVEIRA, C. S. F., GARCIA, R. D. C. M., & DE MAGALHÃES SOARES, D. F. Diagnosis of animal abuse: A Brazilian study. Preventive veterinary medicine, v. 194, p. 105421, 2021.
CONSTANTINO, C; ALMEIDA, J. T. de. Cão comunitário: um sujeito de direito aliado ao manejo populacional de cães e à saúde única. In: GARCIA, R.C.M.; CALDERÓN, N; BRANDESPIM, D.F. Medicina Veterinária do Coletivo: Fundamentos e Práticas. 1 ed. São Paulo: Integrativa Vet, 2019. p. 246-256.
FATJÓ, J., BOWEN, J., GARCÍA, E., CALVO, P., RUEDA, S., AMBLÁS, S., & LALANZA, J. F. Epidemiology of dog and cat abandonment in Spain (2008–2013). Animals, v. 5, n. 2, p. 426-441, 2015.
GARCIA, R. C. M. Estudo da dinâmica populacional canina e felina e avaliação de ações para o equilíbrio dessas populações em área da cidade de São Paulo, SPBrasil. Tese (Doutorado em Medicina Veterinária). Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia. Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal. São Paulo, 2009.
MOTA-ROJAS, D., CALDERÓN-MALDONADO, N., LEZAMA-GARCÍA, K., SEPIURKA, L., & GARCIA, R. D. C. M. Abandonment of dogs in Latin America: Strategies and ideas. Veterinary World, v. 14, n. 9, p. 2371, 2021.
OLIVEIRA, H. V. G. Epidemiologia do Abandono Animal In: GARCIA, R.C.M.; CALDERÓN, N; BRANDESPIM, D.F. Medicina Veterinária do Coletivo: Fundamentos e Práticas. 1 ed. São Paulo: Integrativa Vet, 2019. p. 200-208.
SCHEFFER, G.K. O direito animal em tempos de pandemia. Revista Brasileira de Direito e Justiça, 4:118-153, 2020.
WEISS, E., GRAMANN, S., SPAIN, C. V., & SLATER, M. Goodbye to a good friend: an exploration of the re-homing of cats and dogs in the US. Open Journal of Animal Sciences, v. 5, n. 04, p. 435, 2015.