Artigo baseado nas informaçōes da SOCIEDADE AMERICANA DE DIROFILARIOSE (AHS – American Heartworm Society)
Transcrição\edição: Evelyn Moreira Conrado
O que é a Dirofilariose?
A Dirofilariose, também conhecida como “verme do coração”, é uma zoonose causada pelo nematódeo Dirofilaria immitis, que parasita o sistema circulatório e é transmitido a canídeos (hospedeiros definitivos), felídeos e humanos (ambos hospedeiros acidentais) por meio da picada de diversos mosquitos. O verme existe em muitos países do mundo, com maior incidência normalmente em áreas litorâneas quentes, úmidas e com natureza preservada (CANIN, 2023).
Qual o ciclo de vida da Dirofilaria immitis?
No inseto vetor, a Dirofilaria immitis passa do estágio larval 1 (L1) até o larval (L3), ou larva infectante, quando torna-se apta a ser transmitida para um novo hospedeiro. O tempo necessário de desenvolvimento da microfilária para o estágio infectante no mosquito é temperatura dependente. Em temperatura de 27°C e umidade relativa de 80% o desenvolvimento de L1 a L3 ocorre em 10 a 14 dias, sendo este tempo maior em temperaturas mais baixas (KARTMAN, 1953; SLOCOMBE et al, 1989).
As larvas L3 ingressam no hospedeiro e se transformam em L4 entre o 3o e o 12o dia após a infecção, transitando entre as fibras musculares durante a migração. A última mudança larval, de L4 a L5 ocorre entre os dias 50 a 70 após a infecção. Helmintos imaturos (L5) penetram no tecido muscular e atingem os vasos pulmonares a partir do dia 67, com todas as formas imaturas atingindo este órgão entre 90 a 120 dias, quando se tornam sexualmente maduras. A pressão do fluxo sanguíneo conduz os helmintos para arteríolas pulmonares. As larvas L5 medem de 2.5cm a 3.8cm de comprimento e se alojam nas grandes artérias até se tornarem parasitos maduros.
Os helmintos adultos aumentam consideravelmente de tamanho, as fêmeas em cerca de dez vezes em comparação ao tamanho enquanto L5. Sua localização parece ser dependente, principalmente, do porte do cão e da carga parasitária. Sendo assim, um cão de médio porte (por exemplo, Beagle) com carga parasitária baixa (≤5 helmintos) geralmente apresenta helmintos nas artérias lobares e na artéria pulmonar. À medida que a carga parasitária aumenta, os nematóides começam a se alojar no ventrículo direito.
Deste modo, cães com mais de 40 nematóides são mais propensos a desenvolver a síndrome da veia cava, onde os parasitos adultos entram no ventrículo direito, átrio e veia cava, interferindo com a função valvular e/ou o fluxo sanguíneo produzindo, assim, hemólise, disfunção hepática, renal e insuficiência cardíaca (ATWELL e BUORO, 1988; ISHIHARA et al, 1978; JACKSON, 1975).
Como prevenir a Dirofilariose?
A dirofilariose é uma doença que pode ser evitada, apesar da alta suscetibilidade dos cães. Visto que todos os cães que vivem em áreas endêmicas para dirofilariose estão em risco, a quimioprofilaxia ainda é considerada a melhor opção para prevenir a doença . Filhotes devem iniciar a utilização de quimioprofiláticos o mais cedo possível, de preferência antes da oitava semana de vida (HEARTWORM SOCIETY, 2021).
Cães que ficam ao ar livre e sem proteção em áreas com alta endemicidade, devem ser testados seis meses após a dose inicial, seguido por testes anuais. Antes de iniciar a prevenção em cães mais velhos (sete meses de idade ou mais), teste de antígeno e de microfilárias circulantes devem ser realizados. Caso indicado por um médico-veterinário, a administração de produtos quimioprofiláticos de largo espectro com atividade endoparasiticida e/ou ectoparasiticida por 12 meses poderá reforçar a prevenção da dirofilariose e auxiliar na prevenção de outras infecções parasitárias. (HEARTWORM SOCIETY, 2021).
Lactonas macrocíclicas como melhor fármaco de prevenção
Os fármacos destinados à prevenção da dirofilariose que são atualmente comercializados (ivermectina, milbemicina oxima, moxidectina, e selamectina), pertencem à classe das lactonas macrocíclicas. Esses fármacos são eficazes contra microfilárias, L3 e L4, e em alguns casos de uso contínuo, parasitos adultos (MACCALL et al, 2001, 2008b).
Devido ao seu efeito filaricida sobre a L4, as lactonas macrocíclicas podem ser utilizadas em baixas doses, tendo baixa toxicidade. Para todos os fármacos a base de lactona macrocíclica, que são administrados de forma oral ou tópica, recomenda-se o uso de doses com intervalos de 30 dias. Após esse período, a eficácia destes produtos contra L4 é reduzida ou incerta. Helmintos jovens, que podem estar presentes a partir de 52 dias pós infecção são menos suscetíveis aos fármacos quimioprofiláticos (MACCALL et al, 2001).
Alguns cães como da raça Collie e de outras raças que são deficientes em Glicoproteinas-P são sensíveis a uma variedade de medicamentos comumente usados na medicina veterinária, incluindo as lactonas macrocíclicas, pois sua toxicidade já foi relatada em caso de uma overdose ou em uso combinado com outros fármacos inibidores de Glicoproteinas-P (Pulliam et al, 1985). Essas intoxicações ocorreram na maioria das vezes quando lactonas macrocíclicas, de uso em bovinos, foram acidentalmente ingeridas ou administradas em cães com erro no cálculo da dose. Esta prática não é recomendada na bula destes medicamentos, sendo contra-indicada sua utilização em cães. As dosagens quimioprofiláticas padrão das lactonas macrocíclicas aprovadas para cães apresentam segurança no seu uso em todas as raças de cães (MEALEY, 2008).
Quadro 1 – Fármacos utilizados na profilaxia da Dirofilariose canina e respectivas vias de administração.
Administração oral | Administração tópica | Administração parenteral |
A ivermectina e milbemicina oxima estão disponíveis para administração oral mensal. Algumas formulações são aromatizadas e mastigáveis para aceitação dos animais e facilidade de uso. As doses são de acordo com a faixa de peso do animal | Moxidectina e selamectina são formulações líquidas disponíveis para aplicação tópica. Os parâmetros para o tratamento com produtos tópicos são iguais aos protocolos mensais utilizados na administração oral. | Uma única dose subcutânea de liberação lenta (SR) de moxidectina impregnada com microesferas lipídicas fornece proteção contínua por seis meses, com o potencial de garantir melhor aderência ao esquema de dosagem. Para garantir proteção máxima o tratamento deve ser feito a cada seis meses. |
Fonte: VETSMART, 2023.
Diagnóstico – Exames para detecção de infecção
- Teste de detecção de antígeno circulante e pesquisa de microfilárias circulantes
Para triagem na população de cães assintomáticos ou na verificação de uma suspeita de infecção por D. immitis, o teste de detecção de antígeno circulante (via ELISA – Enzyme-linked immunosorbent assay – ou via teste imunocromatográfico) é o método de diagnóstico mais sensível, sendo este teste atualmente recomendado, em conjunto com a pesquisa de microfilárias circulantes. Isto é especialmente importante se houver uma suspeita de dirofilariose ou se o histórico desse animal for desconhecido (por exemplo, cães adotados de abrigos) (HEARTWORM SOCIETY, 2020).
Já foi observado que em alguns cães infectados com D. immitis, complexos antígeno-anticorpo podem levar a resultados falso-negativos na detecção de antígenos circulantes, assim como testes falso-positivos também podem ocorrer. Devido a isso, é importante utilizar também a pesquisa de microfilárias circulantes antes de iniciar terapia para a doença (HEARTWORM SOCIETY, 2020).
- Radiografia Torácica
O exame radiográfico é o método mais objetivo de avaliar a gravidade da doença cardiopulmonar secundária à infecção por D immitis. Os sinais típicos da dirofilariose vascular são dilatação e aspecto tortuoso dos vasos, muitas vezes com obstrução nos ramos periféricos intralobares e interlobulares das artérias pulmonares, particularmente no lobo diafragmático (caudal).
- Ecocardiografia
A parede do corpo de nematóides adultos é altamente ecogênica produzindo imagens distintas, traços paralelos assemelhando-se a “sinais de igual”, sendo possível observar todo o parasita. O ecocardiograma pode fornecer evidência definitiva de dirofilariose, bem como permitir a avaliação das consequências patológicas cardíacas da doença. No entanto, não é um método eficiente para fazer o diagnóstico em cães com baixa carga parasitária.
Qual o tratamento para a doença?
Tratar a infecção por D. immitis em pacientes assintomáticos ou em pacientes que exibem sinais clínicos leves normalmente não causa maiores problemas se houver um controle das atividades físicas deste paciente. Em pacientes que apresentam um grau de infecção moderado a grave (Quadro 2 1) o tratamento tem um nível de dificuldade maior.
O objetivo do tratamento da dirofilariose é melhorar as condições clínicas do animal e eliminar todos os estágios da D. immtis (microfilárias e os estágios larvais) com o mínimo de complicações possíveis. Em cães que apresentam sinais clínicos significativos da dirofilariose o tratamento não deve ser iniciado até que esses sinais sejam estabilizados. Para isso, talvez seja necessário a utilização de glicocorticoesteróides, diuréticos, vasodilatadores, agentes inotrópicos positivos e fluidoterapia.
Quadro 2 – Intensidade da dirofilariose e sinais clínicos presentes
Fonte: VETSMART, 2023
As dirofilárias adultas vivas podem causar endoarterites e hipertrofia muscular das paredes arteriolares, especialmente nas artérias pulmonares caudais, mas as dirofilárias s que estão morrendo ou estão mortas causam uma parte significativa das patologias que podem ser visualizadas nos animais que apresentam doença clínica.
A morte dos vermes, seja por causa espontânea ou devido ao tratamento com fármaco adulticida, causa decomposição e fragmentos desses vermes migram para as arteríolas distais dos pulmãoões e para os seios capilares, no lobo caudal do pulmão, diminuindo o fluxo sanguíneo. Esses fragmentos causam inflamação e agregação plaquetária, o que pode resultar em tromboembolismo.
Nos períodos que há aumento de atividade física, o aumento do fluxo sanguíneo para vasos que estão obstruídos pode causar ruptura e fibrose subsequentemente desses vasos (CASE et al, 1995; HOSKINS et al, 1985; RAWLINGS et al, 1993a). Isso pode acarretar em aumento de resistência pulmonar e possivelmente insuficiência cardíaca direita, demonstrando a correlação direta entre a severidade da doença e a atividade física.
PROTOCOLO DE TRATAMENTO RECOMENDADO PELA SOCIEDADE AMERICANA DE DIROFILARIOSE (AHS – American Heartworm Society)
A AHS recomenda uma abordagem multimodal para o tratamento de vermes com base nas informações apresentadas acima e representada no protocolo delineado no Quadro 3 . Um estudo retrospectivo de casos clínicos comparando o protocolo listado no Quadro 3 com um protocolo semelhante sem doxiciclina mostrou diminuição das complicações respiratórias e das taxas de mortalidade quando a doxiciclina foi incluída (NELSON AND SELLERS,, 2013).
Quadro 3 – Protocolo de Tratamento recomendado pela American Heartworm Society
Fonte: VETSMART, 2023
EXTRAÇÃO CIRÚRGICA DE NEMATÓIDES ADULTOS
Quando houver disponibilidade, esse procedimento cirúrgico deve ser o de escolha para cães que estiverem com alta carga parasitária e para pacientes de alto risco. Antes de eleger este método de tratamento, deve ser realizado o ecocardiograma para visualizar o coração direito e a artéria pulmonar direita, determinando assim o número de nematóides adultos e a localização dos mesmos (VETSMART, 2023).
REFERÊNCIAS
ATKINS CE. Comparison of results of three commercial heartworm antigen test kits in dogs with low heartworm burdens. J Am Vet Med Assoc. 2003;222:1221-1223.
ATWELL RB, BUORO IBJ. Caval syndrome. In Boreman PFL, Atwell RB (eds): Dirofilariasis. Boca Raton, FL: CRC Press, 1988, pp 191-203.
CANIN, ROYAL. Dirofilariose em cães e gatos, 2023. Disponível em: https://portalvet.royalcanin.com.br/saude-e-nutricao/dirofilariose-em-caes-e-gatos/. Acesso em agosto de 2023.
CASE JL, TANNER PA, KEINSTER DM, MEO NJ. A clinical field trial of melarsomine dihydrochloride (RM340) in dogs with severe (class 3) heartworm disease. In Proceedings of the Heartworm Symposium ’95, Auburn, AL. American Heartworm Society, 1995, pp 243-250.
COURTNEY CH, ZENG Q-Y. Comparison of heartworm antigen test kit performance in dogs having low heartworm burdens. Vet Parasitol. 2001;96:317-322.
HEARTWORM SOCIETY. American Heartworm Society Guidelines, 2020. Disponível em:
https://www.heartwormsociety.org/veterinary-resources/american-heartworm-society-guidelines. Acesso em agosto de 2023.
HOSKINS JD, HRIBERNIK TN, KEARNEY MT. Complications following thiacetarsamide sodium therapy in Louisiana dogs with naturally-occurring heartworm disease. Cornell Vet. 1985;75:531-539.
KARTMAN L. Factors influencing infection of the mosquito with Dirofilaria immitis (Leidy, 1856). Exp Parasitol. 1953;2:27-78.
LEE ACY, BOWMAN DD, Lucio-Forster A, et al. Evaluation of a new in-clinic method for the detection of canine heartworm antigen. Vet Parasitol. 2011;177:387-391.
MACCALL JW, GUERRERO J, ROBERTS RE, et al. Further evidence of clinical prophylactic, retroactive (reach-back) and adulticidal activity of monthly administrations of ivermectin (Heartgard Plus) in dogs experimentally infected with heartworms. In Recent Advances in Heartworm Disease Symposium ‘01. American Heartworm Society, 2001, pp 198-200.
PULLIAM JD, SEWARD RL, HENRNY RT, STEINBERG SA. Investigating ivermectin toxicity in Collies. Vet Med. 1985;80:33-40.
NELSON T, SELLERS EF. Current recommendation for doxycycline in heartworm treatment and its clinical benefits. In Heartworms Today: 2013 Triennial Symposium, New Orleans, LA. American Heartworm Society, 2013, p 26.
ISHIHARA K, KITAGAWA H, OJIMA M, et al. Clinicopathological studies on canine dirofilarial hemoglobinuria. Jap J Vet Sci. 1978;40:525-537.
JACKSON RF. The venae cavae syndrome. In Proceedings of the Heartworm Symposium 1974, Auburn, AL. American Heartworm Society, 1974, pp 48-50.
RAWLINGS CA, PAYNAUD JP, LEWIS RE, DUNCAN JR. Pulmonary thromboembolism and hypertension after thiacetarsamide vs melarsomine dihydrochloride treatment of Dirofilaria immitis infection in dogs. Am J Vet Res. 1993a;54:920-925.
SLOCOMBE JOD, SURGEONER GA, SRIVASTAVA B. 1989. Determination of the heartworm transmission period and its used in diagnosis and control. In Proceedings of the Heartworm Symposium ‘89, Charleston, SC. American Heartworm Society, 1989, pp 19-26.
VELASQUEZ L, BLAGBURN BL, Duncan-Decoq R, et al. Increased prevalence of Dirofilaria immitis antigen in canine samples after heat treatment. Vet Parasitol. 2014;206:67-70.
VETSMART. Prevenção, Diagnóstico e Controle da Dirofilariose, 2023. Disponível em: https://www.vetsmart.com.br/cg/estudo/13753/prevencao-diagnostico-e-controle-da-dirofilariose. Acesso em agosto de 2023.