Autor (a): Camila Alves dos Santos
Revisão: Paula A. S. Bastos
O complexo equinococose-hidatidose, provocado pelo parasita Echinococcus spp., é uma das 17 doenças tropicais negligenciadas nos humanos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Por ser uma zoonose e não possuir notificação obrigatória, a disseminação da doença é crescente e afeta a saúde pública e causa prejuízos econômicos com os animais de produção. O Rio Grande do Sul é a região com maior número de casos relatados de equinococose, devido à notificação obrigatória presente neste estado do Brasil.
A hidatidose diz respeito ao hospedeiro intermediário infectado pela forma larval do parasita, enquanto a equinococose refere-se ao hospedeiro definitivo acometido pela fase adulta.
O Echinococcus é um gênero de parasito pertencente à classe Cestoda, ordem Cyclophyllides e família Taeniidae. Classificado como aquele que causa uma ciclozoonose (doença que necessita de mais de vertebrado para completar seu ciclo de vida), possui quatro principais espécies causadoras da doença: E. multilocularis ( responsável pela equinococose alveolar), E. granulosus (responsável pela equinococose cística), E. vogeli e E. oligarthra ( responsáveis pela equinococose neotropical). O ciclo parasitário deste gênero é dependente de um hospedeiro intermediário (HI) – bovinos, caprinos, equinos, ovinos e suínos – e um hospedeiro definitivo (HD) – canídeos, e gatos quando for o E. oligarthra -, sendo os humanos hospedeiros acidentais. A forma adulta do parasita é encontrada no intestino delgado do HD, onde gera ovos que são eliminados com as fezes do hospedeiro. Com isso, o hospedeiro acidental (HA) ou o HI ingerem os ovos, que penetram na parede intestinal e acessam a corrente sanguínea, chegando aos órgãos, gerando o cisto hidático. O desenvolvimento do cisto é de um a cinco centímetros por ano, o que acarreta o diagnóstico tardio da doença. A espécie E. oligarthra causa cistos na musculatura intercostal, fígado, rins e tecido subcutâneo, enquanto o E. granulosus e o E. multilocularis geram cistos hepáticos.
O quadro clínico da hidatidose em humanos pode ser confundido com outras doenças, além de o HA ser assintomático por mais de 10 anos. Os sintomas decorrentes da infecção são: tosse, dor na região do peito, febre, dificuldade para respirar, abdômen distendido e doloroso e emagrecimento. Devido ao aumento contínuo dos cistos, podem ocorrer complicações na saúde do paciente, como ruptura dos cistos, compressão dos órgãos adjacentes e aumento de pressão intra-abdominal.
Os animais apresentam-se assintomáticos, e podem apresentar enterite catarral em casos de infecção avançada. Os filhotes acometidos podem apresentar aumento do abdômen, pelos quebradiços, diarreia e perda de peso. Os bovinos, ovinos e suínos participam da cadeia de produção cárnea e, ao se tornarem HI com cistos em órgãos e tecidos, ocasionam a condenação da carcaça em abatedouros e, consequentemente, menor rendimento e queda na produção.
Os hospedeiros definitivos infectam-se a partir da ingestão de vísceras do hospedeiro intermediário que possuam cisto hidático. Os HI, por sua vez, infectam-se pela ingestão dos ovos, espalhados pelo vento e pela chuva no ambiente. Os ovos podem ser encontrados na água e verduras contaminadas, além de alimentos não processados e não higienizados. Desta forma, os humanos são infectados pela ingestão de alimentos contaminados com os ovos. Pode acontecer a infecção direta pela transmissão fecal-oral entre cães e humanos e infecção por baixas condições higiênico-sanitárias.
O diagnóstico do complexo equinococose-hidatidose se dá pela avaliação dos sinais clínicos, histórico do paciente, exames de imagem e exames laboratoriais, como ELISA ou coproparasitológico. Deve ser realizado o diagnóstico diferencial para micoses, cistos benignos, neoplasias, abscessos e tuberculose cavitária.
O tratamento pode ser realizado por meio de técnicas cirúrgicas, quando há cistos grandes, ou tratamento antiparasitário, com administração de albendazol. Porém, como trata-se de uma doença com chances de recidiva, pode-se optar pela abordagem multifatorial, associada ao acompanhamento de longo prazo. O prognóstico da doença é dependente de múltiplos fatores, incluindo localização dos cistos, quantidade e estágio evolutivo.
Para o controle da equinococose-hidatidose, faz-se necessário estratégias integralizadas da saúde humana e animal, como monitoração de casos assintomáticos em humanos, instruções à sociedade sobre a higienização adequada dos alimentos, melhoria nas condições sanitárias da população e impedir o acesso de HD às vísceras de HI infectados , além de evitar o consumo de água não tratada. Faz-se necessário, também, avaliar as formas de diagnóstico e atentar-se aos precedentes epidemiológicos do paciente, sendo uma importante ferramenta para identificar a doença e agilizar o tratamento, seja ele cirúrgico ou clínico. Além disso, o médico veterinário desempenha uma importante função, visto que uma de suas incubências é inspecionar e fiscalizar o processamento de produtos de origem animal, bem como atuar em ações de prevenção e controle de zoonoses, em conjunto com o serviço de saúde e vigilância da região, assim como, atuar como educador em saúde.
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