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Esquema de vacinação em abrigos

Autora: Anna Julia Zilli Lech
Revisor: Lucas Galdioli

Os abrigos de animais, por definição, são estabelecimentos sem finalidade comercial ou lucrativa de permanência temporária onde cães e gatos que foram resgatados por estarem em situação de rua por motivos específicos (em situação de riscos/sofrimento ou por segurança e saúde pública), são mantidos até serem adotados ou transferidos para lares definitivos (Garcia; Galdioli, 2022). Porém, na realidade brasileira, frequentemente nos deparamos com abrigos superlotados que acabam se tornando locais de estadia prolongada, às vezes até permanente, com um fluxo constante de entrada de animais. 

Essa flutuação na população traz importantes desafios para o controle de doenças infectocontagiosas, sendo necessário estabelecer protocolos de vacinação e vermifugação que diferem dos aplicados em consultórios veterinários, onde o foco é individual. Além disso, as estratégias devem ser adaptadas para os abrigos em função de fatores como a maior probabilidade de exposição a doenças infecciosas, a possibilidade de que muitos animais recém-admitidos não estejam imunizados (Fischer, 2007) e as consequências potencialmente letais das infecções.

Primeiro, é importante esclarecer que não há um protocolo universal que seja o ideal para todos os abrigos. Cada instalação deve considerar sua realidade em termos de estrutura, higiene e manejo dos animais para definir a melhor estratégia vacinal (Day et al., 2016). Algumas vacinas previnem infecções, enquanto outras diminuem a gravidade dos sinais clínicos (Peterson, 2008). Portanto, o contexto epidemiológico da localidade também deve ser considerado na elaboração do esquema vacinal.

O uso de vacinas de vírus vivo modificado deve ser priorizado em relação aos produtos constituídos por microrganismos mortos, inclusive para animais prenhes, pois essas vacinas desencadeiam uma resposta imune mais ágil, o que é crucial no contexto dos abrigos, onde muitas vezes não há previsibilidade quanto à entrada de novos animais. Além disso, as vacinas de vírus modificado promovem uma maior duração de imunidade quando comparadas às de vírus inativados (Larson et al., 2009; Spindel, 2013; Day et al., 2016; Galdioli, 2022).

Dado que a exposição a doenças é frequentemente alta, cães e gatos devem ser vacinados com as vacinas essenciais no momento da admissão no abrigo ou, quando possível, antes disso. A vacinação deve ocorrer independentemente da saúde e condição corporal, incluindo aqueles com febre moderada, doenças ou lesões, gestantes e lactantes. As vacinas consideradas essenciais são as que protegem contra: rinotraqueíte viral felina, calicivírus, panleucopenia (AAFP, 2009) e FeLV para gatos (Labarthe et al., 2016); e cinomose, hepatite, parainfluenza, parvovírus canino (AAHA, 2006) e leptospirose para cães (Labarthe et al, 2016). 

A vacinação antirrábica não é considerada uma prioridade no momento da admissão do animal, uma vez que o risco de exposição ao vírus rábico não é alto na maioria dos abrigos. Contudo, os animais devem ser vacinados contra a raiva no momento da saída do abrigo ou em data agendada para um futuro próximo. Recomenda-se que cães e gatos sejam vacinados contra a raiva nas seguintes situações: quando há expectativa de permanência prolongada ou definitiva no abrigo; quando o risco de exposição é elevado; ou quando a vacinação for exigida por lei (Newbury et al., 2018). Além disso, é recomendado que a vacina antirrábica seja administrada em um local do corpo diferente daquele onde as outras vacinas forem aplicadas, geralmente no membro pélvico direito.

Em relação à idade e aos reforços vacinais, recomenda-se o seguinte esquema (Day et al., 2016; Galdioli, 2022; Labarthe; Mendes-de-Almeida):

  • 1ª dose (na entrada/admissão do animal):
    • Cães: vacina de vírus vivo modificado contra Cinomose e  Parvovirose; vacina não infectante contra Leptospirose. 
    • Gatos: vacina de vírus vivo modificado contra Parvovírus, Calicivírus e Herpesvírus Felino-1; vacina não infectante contra FeLV (para animais com mais de 8 semanas e até 1 ano da idade, após teste sorológico negativo) (Galdioli, 2022; Labarthe; Mendes -de-Almeida, 2022; ). 
  • Doses seguintes em filhotes acima de 4-6 semanas de idade – a cada 2-3 semanas até completar 16-20 semanas de idade:
    • Cães: vacina de vírus vivo modificado contra Cinomose, Hepatite, Parvovirose, Parainfluenza e Leptospirose com ou sem Coronavírus Canino. 
    • Gatos: vacina de vírus vivo modificado contra Parvovírus, Calicivírus e Herpesvírus Felino-1.
  • Doses seguintes em adultos e filhotes acima de 16-20 semanas de idade – 2ª dose após 2-4 semanas e reforço anual:
    • Cães: vacina de vírus vivo modificado contra Cinomose, Hepatite, Parvovirose, Parainfluenza e Leptospirose com ou sem Coronavírus Canino.
    • Gatos: vacina de vírus vivo modificado contra Parvovírus, Calicivírus e Herpesvírus Felino-1; vacina não infectante contra FeLV (para animais com mais de 8 semanas e até 1 ano da idade, após teste sorológico negativo) (Galdioli, 2022).

É fundamental que o protocolo vacinal seja estabelecido por um médico-veterinário, ciente de que abrigos que não realizam a vacinação dos animais no momento da admissão têm uma probabilidade maior de enfrentar surtos fatais de doenças preveníveis por vacinas em comparação com aqueles que vacinam (Larson, 2009). Além disso, é indispensável oferecer treinamentos sobre o armazenamento, administração adequada das vacinas e o manejo de possíveis reações adversas.

Todas as vacinas aplicadas devem ser registradas na carteirinha de vacinação individual do animal, a qual deve ser guardada enquanto ele estiver sob os cuidados do abrigo e entregue ao futuro tutor ou local que o receberá posteriormente.

REFERÊNCIAS

AMERICAN ASSOCIATION OF FELINE PRACTITIONERS (AAFP). The American Association of Feline Practitioners Feline Vaccine Panel Advisory Report. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 229, p. 1406–41, 2009. Disponível em: http://www.catvets.com/uploads/PDF/2006_Vaccination_Guidelines_JAVMA.pdf. Acesso em: 13 out. 2024.

AMERICAN ANIMAL HOSPITAL ASSOCIATION (AAHA). AAHA canine vaccine guidelines. Revisadas em 2006. Disponível em: http://www.aahanet.org/PublicDocuments/VaccineGuidelines06Revised.pdf. Acesso em: 13 out. 2024.

DAY, M. J.; HORZINEK, M. C.; SCHULTZ, R. D.; SQUIRES, R. A. WSAVA – Guidelines for the vaccination of dogs and cats. Journal of Small Animal Practice, v. 57, 2016.

FISCHER, S. M.; QUEST, C. M.; DUBOVI, E. J. Response of feral cats to vaccination at the time of neutering. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 230, p. 52–8, 2007.

GARCIA, R. C. M.; GALDIOLI, L. Introdução à Medicina de Abrigos. In: GALDIOLI, L.; GARCIA, R. C. M. (Org.). Medicina de Abrigos: Princípios e Diretrizes. 1. ed. Curitiba: Instituto de Medicina Veterinária do Coletivo, 2022, v. 1, p. 3-18.

GALDIOLI, L.; BOTTEON, K. D.; ROCHA, Y. S. G.; BRUGNEROTTO, M.; GARCIA, R. C. M. Vaccination principles for dogs and cats in animal shelters. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, v. 59, e189113, 2022. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1678-4456.bjvras.2022.189113.

PETERSON, C. A.; Dvorak, G.; SPICKLER, A. R. (Eds.). Maddie’s Infection Control Manual for Animal Shelters. Ames, IA: Iowa State University; Center for Food Security and Public Health, 2008.

LABARTHE, N. et al. COLAVAC/FIAVAC – Estratégias para vacinação de animais de companhia: cães e gatos. Clin Veterinaria, v. 124, p. 114-20, 2016.

LABARTHE, N.; MENDES-DE-ALMEIDA, F. Diretrizes de Vacinação em Abrigos. In: GALDIOLI, L.; GARCIA, R. C. M. (Org.). Medicina de Abrigos: Princípios e Diretrizes. 1. ed. Curitiba: Instituto de Medicina Veterinária do Coletivo, 2022, v. 1, p. 276-286.

LARSON, L.; NEWBURRY, S.; SHULTZ, R. D. Chapter 5: Canine and feline vaccinations and immunology. In: MILLER, L.; HURLEY, K. (Eds.). Infectious Disease Management in Animal Shelters. Ames, IA: Wiley–Blackwell, 2009. p. 61–82.

NEWBURRY, S. et al. Diretrizes sobre os padrões de cuidados em abrigos de animais. 2018. Disponível em: http://premierpet.com.br/shelter_medicine.pdf. Acesso em: 13 out. 2024.

SPINDEL, M. Strategies for management of infectious diseases in  a  shelter.  In:  Miller  L,  Zawistowski  S,  editors.  Shelter medicine for veterinarians and staff. 2nd ed. Iowa: Wiley-Blackwell; 2013. p. 279-86.