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ENFRENTAMENTO DA ESPOROTRICOSE FELINA

Sobre a esporotricose

A esporotricose, anteriormente conhecida como doença do jardineiro, é uma zoonose negligenciada que se apresenta como micose de implantação, difundida mundialmente, que impacta a saúde e o bem-estar de pessoas e animais, principalmente o gato doméstico (Chakrabarti et al., 2015; Ministério da Saúde, 2021; Andrade et al., 2022). 

Nos últimos anos, alterações importantes ocorreram na cadeia epidemiológica da doença, com a emergência de uma nova espécie, denominada Sporothrix brasiliensis, mais patogênica, de rápida transmissão, com comprometimento cutâneo e sistêmico e grande dispersão territorial.

O fungo

O fungo é termodimórfico, encontrado no solo ou matéria orgânica (temperatura próxima a 25°C) em sua forma filamentosa, e à temperatura corporal (temperatura próxima a 37°C) assume a forma de levedura, causando a doença (Santos et al., 2018). A transmissão ocorre pelo contato de pele ou mucosa com ele.

A transmissão

A forma clássica envolve acidentes com trauma com espinhos, pedaços de madeira com potencial perfurante e até mesmo matéria orgânica vegetal em decomposição. Em sua forma zoonótica, a transmissão se dá por acidentes de mordedura, arranhadura, contato com lesões cutâneas ou respiratórias, principalmente de felinos, sendo gatos domésticos, especialmente machos não castrados e com acesso à rua os mais envolvidos.

O Gato

A importância epidemiológica do gato se explica pela grande concentração de fungos em suas lesões, bem como por seus hábitos de arranhar cascas de árvore e enterrar as fezes, que propiciam o acúmulo de fungos em suas unhas. Essas se tornam fômites em brigas com outros gatos, inoculando neles a forma saprófita que com a variação de temperatura se tornará leveduriforme e causará a doença (Barros et al., 2001; Schuback et al., 2006; Poester et al.,  2018; Ministério da Saúde, 2021). A superpopulação de felinos com acesso à rua, a ausência de políticas de manejo ético populacional e o despreparo do poder público para implantação do diagnóstico e tratamento dos gatos contaminados são os maiores desafios para o controle dessa doença.

A epidemiologia

Em Belo Horizonte, o estudo realizado por Lecca et al. (2020) entre 2015 e 2019, não encontrou associação entre a transmissão ambiental e os casos felinos, corroborando o papel do gato como fonte de infecção na primeira epidemia de Esporotricose zoonótica registrada em Minas Gerais. Paiva et al. (2020) analisaram a associação espacial da esporotricose em gatos e em humanos de Belo Horizonte e verificaram que a proximidade de casos felinos é um fator de risco para a disseminação da doença em ambos, os gatos e os humanos. Além disso, a intensidade de casos felinos em uma área também foi considerada um fator de risco. O gato com esporotricose atua como sentinela e intervenções para a prevenção e controle da doença em humanos devem incluir seu controle em felinos.

Sinais clínicos

Os sinais clínicos nos gatos domésticos começam com uma lesão nodular e firme que geralmente evolui para ulceração com exsudação sanguinolenta e/ou purulenta. As lesões podem ser únicas ou múltiplas, envolver pele e/ou mucosas e em casos mais graves a doença pode se manifestar de forma extra cutânea, com o envolvimento, por exemplo, do sistema respiratório (Santos et al., 2018).

Diagnóstico

O diagnóstico é realizado principalmente por exame de cultura (padrão ouro), com o material coletado nas lesões por meio de swab estéril, e por citologia com imprinting das lesões por meio de lâminas, que após coloração podem ser observadas em microscópios (Paiva et al., 2021).

Tratamento

O fármaco preconizado para felinos com lesões cutâneas e subcutâneas é o Itraconazol, podendo ser associado ao Iodeto de Potássio quando não há êxito apenas com a primeira droga (Gremião et al., 2021). O tratamento é desafiador, por muitas vezes exige períodos longos e regulares e por vezes é abandonado após a cura clínica, que muitas vezes é insuficiente para que não ocorra recidiva. Por este motivo, o comprometimento do tutor é indispensável para que o tratamento seja exitoso (Chaves et al., 2013).

Guia da Oficina de Trabalho: Enfrentamento da Esporotricose Felina no Estado do Paraná

Em novembro de 2022 foi realizada uma oficina de trabalho com 9 horas de duração que contou com a presença de 31 profissionais de diversas áreas e setores envolvidos com o tema.

A realização da Oficina de Trabalho: Enfrentamento da Esporotricose Felina no Estado do Paraná surgiu da demanda progressiva para atendimento de felinos doentes de famílias em situação de vulnerabilidade social pelo Centro de Medicina Veterinária do Coletivo (Centro MVC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Diante dessa demanda, foi implantado o Centro Especializado em Atendimento à Esporotricose Felina (CATe) no Centro MVC, tendo como parte integrante o Laboratório de Microbiologia do Setor de Ciências Agrárias, UFPR. Em reunião entre representantes do CATe, Secretarias de Estado da Saúde e de Desenvolvimento Sustentável e Turismo (SEDEST) do Paraná e, posteriormente, com o Conselho Regional de Medicina Veterinária  do Paraná (CRMV-PR), a proposta da realização da Oficina foi concretizada, com o objetivo de propor estratégias para o enfrentamento da esporotricose animal e humana no estado do Paraná, como parte de uma política pública estruturada sob a estratégia de saúde única.

Segue o produto ao lado da oficina que teve uma parte inicial expositiva, com apresentações de até 20 minutos em diversos temas correlatos, seguida de uma seção participativa, com discussões em grupo e em plenária, dinâmicas para identificação dos problemas e lacunas para o enfrentamento da esporotricose.

O gato também é uma vítima!

A esporotricose tem cura! O abandono  além de ser um ato cruel é crime.

Onde procurar ajuda para casos de esporotricose felina:

Se conhece algum município que não está contemplado em nossa lista, ou deseje complementar informações sobre os que estão, preencha o formulário no link abaixo:

Produção dos Textos: Gustavo Canesso Bicalho
Revisão: Equipe Técnica do IMVC
Design: Anaryá Mantovanelli

Referências:

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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/vigilancia/guia-de-vigilancia-em saude_5ed_21nov21_isbn5.pdf/view

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